quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O FIM DO DIA E OS SONHOS

Esmorece a luz
pois que os olhos buscam as sombras
e os ouvidos o silêncio.




O corpo anseia pelo sossego,
vibra, resvala...
busca aconchego,
se entrega,
para adormecer
sem saber
como será
o novo dia.

No entanto,
desejar o sono
sem o saber.

Para que?

Para sonhar.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Imagem: Cássia Oliveira (Praça Visconde de Arantes em Andrelândia, MG).

PARA A PEQUENA MARIA EDUARDA – NÃO HÁ MORTE... SOMENTE VIDA.


MARIA EDUARDA TALVEZ TENHA SIDO UM DESSES ANJOS QUE POVOAM NOSSAS VIDAS E NOSSOS SONHOS. PARA OS SEUS PAIS, AVÓS, IRMÃOS E AMIGOS ELA DEVE TER SIDO UM ANJO COM CERTEZA. 



ELA PARTIU HOJE, DEPOIS DE UMA LONGA BATALHA CONTRA O CÂNCER. SE ELA QUERIA FICAR? CLARO QUE SIM. AQUELES QUE A AMAVAM A QUERIAM JUNTO DE SI AINDA E POR UM LONGO TEMPO? COM CERTEZA, SIM. MAS A VIDA E O "EXISTIR" DIFEREM DA NOSSA VONTADE. 


EU, MERO AINDA VIVENTE, PUDE VISLUMBRAR ESSE PEQUENO ANJO À DISTÂNCIA, POR MUITAS VEZES, SEMPRE QUE DESCIA DA MINHA CASA PARA O CENTRO DA CIDADE, COMO UMA BORBOLETA SOBRE UMA ROSA.


De repente a morte, derradeira constatação para a qual pensamos não estar preparados. É assim: um rompimento instantâneo que nos leva um sorriso, uma lágrima, um abraço, um voz. A morte leva-nos, até mesmo, o perfume, a imagem em movimento, deixando-nos o desenho que se move apenas na memória que costumamos e gostamos de recordar, sozinhos, olhando o longínquo horizonte, ou na companhia dos amigos e parentes que restaram e ficaram por momentos. 


Essa derradeira constatação de rompimento provocado pela morte, ausência de um corpo em animação diante dos nossos olhos e que pode nos tocar e nos fazer suspirar, é o instante sublime de transformação do ser no noutro ser (não pode “ser” de outra “forma” dada a constância do “existir”). A morte também pode ser vida, desde que possamos ver no desabrochar lento da rosa ou da borboleta dentro dos seus casulos que ambas se interagem por toda uma vida em toques quase silentes, numa simbiose única e eterna. Ambas sabem o quanto carecem uma da outra – e para isso vivem: perpetuando uma à outra -. A borboleta e a rosa, e curtos instantes de vida para nós, têm para si uma longa existência, o necessário para eternizar o que lhes foi emprestado pela criação: a existência no universo.

Quando uma criança se vai transformada pela morte – que denominamos de morte natural, aquela provocada pela inevitabilidade das doenças -, levando seus alvoroços, seus sorrisos e sonhos ainda inconscientes, embora nos pareça uma prematura viagem, uma antecipação do existir, nada mais é do que o arranjo da própria existência (existir dentro de um tempo, pois que o tempo não é tempo para o “existir” e é determinado pelas leis naturais que não podemos segurar).

Então, choremos, sim, nossos filhos e filhas (nossas crianças ainda inocentes) que nos são levadas para o seio da terra, entendendo que a terra precisa de nós, tal como necessitamos dela para existir. Choremos, sim, pois o choro rega a terra e lava a alma. O choro é prova de dor, é prova de amor. No entanto, deixemos que a terra cumpra o seu papel, olhando a chuva, sempre que ela vier, regando as plantas para que a rosa e a borboleta cumpram o seu destino eterno de existir - e nós, como anjos que sonhamos um dia, cumpramos essa viagem infinita rumo, sempre, ao desconhecido.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira.


Imagem Ateliê Gina

sábado, 25 de janeiro de 2014

VER DEUS


Eu vi Deus numa 
simbiose louca,
numa dança interminável,
num único 
e perene instante:
no voo da borboleta azul
sobre a água... 
bicho alado e esvoaçante... 
na água sobre as pedras
(nas pedras sobre a terra,
nas pedras que são a terra).

Eu absorvi Deus, então:
a água tomou meu corpo,
espumou,
fez-me parte de Deus...
Pois que Deus é tudo,
Deus é a água... A vida.



A água refletiu o céu,
levou, lavou... 
trouxe tudo de volta
e Deus olhou por ela,
se fez nela...

Compreendi: 
Deus nos faz da água.


Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Foto de Cássia Oliveira.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A LUZ E A SOMBRA






O GIRO DE UM DIA É O GIRO DA VIDA ENTRE LUZES E SOMBRAS.

Já parou para pensar no quanto tem de vida entre a luz do dia e as sombras, mesmo aquelas na noite? 

Mas é bom sempre saber que a noite não é a ausência da luz, mas a luz por detrás das sombras.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Imagens: povoderuanda

O ABISMO DA CONSCIÊNCIA.


O ABISMO DA CONSCIÊNCIA... (FRAGMENTOS DO LIVRO "RENASCER")

Talvez eu não veja mais as pessoas como deveria,
no abismo diário dos seus deveres, nos encontros desapegados,
no enrolar e desenrolar de um novelo que a todo instante parece cair das mãos de uma tricoteira pouco hábil. Lamentavelmente descobri que a maioria das pessoas busca alguma coisa inatingível e não consegue perceber que o tempo foi inventado para compassar as existências. A grande maioria das pessoas, no seu dia a dia, venera e tenta perpetuar o impossível: a juventude. Com isso, a consciência de vida fica presa em algum canto da alma que, para evoluir, precisa de meditação e de veneração da luz (conhecimento).

Assim é: quando somos criança sonhamos em ser moços ou moças livres das mãos que amparam. Depois, na juventude, donos da verdade, sonhamos em ser homens ou mulheres independentes e poderosos. Na velhice, enfim, não há mais sonho, mas somente a constatação de que a nossa vida não nos pertence e que somos frutos do acaso de um universo em constatante transformação.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira - Livro Renascer.

Imagem: overmundo

FRAGMENTOS DE "RENASCER".

DO LIVRO RENASCER...

A vida do ser humano se reduz a nascer...
O nascimento é tudo quanto importa. A partir dele a matéria se transforma, tudo tem um novo sentido. Como, então, imaginar a vida sem o nascimento? Ou seria o nascimento o renascimento, a continuação da transformação eterna da matéria dentro do todo que é o universo?

Então, na verdade, nascer é renascer, é continuar, é nunca morrer.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira - do Livro RENASCER

Imagem: imgame-vida

TRANSFORMADORES DO MUNDO (ESGRIMA E POESIA)

No final, a noite é o que nos resta, embora, na maioria das vezes, estejamos fugitivos em débeis instantes de ilusão entre luzes e absinto.

Ao encararmos nosso eu, acabamos por não pensar na fragilidade humana, não encarando nossa mera condição de simples passageiros numa viagem que se inicia dentro do corpo de uma mulher.

Nessa viagem, como passageiros, muitos conseguem transpor os percursos apenas como expectadores das paisagens e dos acontecimentos (transformações) até a parada final. Outros, inconformados com o maniqueísmo ou a passividade da maioria das pessoas, travam batalhas para modificar os rumos da viagem da vida. São elas - essas pessoas - que fazem a diferença. É graças a elas que os seres humanos chegaram ao estágio atual.

Contudo, para esses transformadores da vida, há um preço a pagar: o preço da consciência plena da existência e da vulnerabilidade dos seres humanos.

O poeta, talvez, seja o maior exemplo de dor diante das fraquezas humanas. Onisciente e onipresente, sofre as agruras do mundo não fugindo a encarar o que a maioria desdenha: a falibilidade do ser, não daquele ser apenas feito de vida, mas do ser pensante e que tem no ato de pensar a espada de esgrima com a qual enfrentará seus oponentes.

Através da poesia, o poeta nasce, vive e morre. No viver, através da poesia, ele é esgrimador, ser alado, amado, desprezado... Encontra o outro, apaixonado e, em êxtase, se entrega e vai embora, vivendo de saudade.

Ao morrer, diante da lassidão implacável da transformação irremediável, o verdadeiro poeta ainda teima em transformar o todo, deixando seu legado em forma de palavras pungentes, gritos, delírios e desilusão.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira do LIVRO "RENASCER".

Imagem: msn

sábado, 18 de janeiro de 2014

ÊXTASE E FIM

Seus olhos, meu ócio,
sua pele, meu êxtase,
seu sorriso, minha luz...
sua voz, o meu despertar,
seu corpo, o meu sonho.

Quero-a como quero o ar,
quero todo o seu tempo...
quero seu perfume entranhado na minha pele.


Pressinto sua presença na distância...
como um cão fiel.
Quero roubar todo o seu tempo,
prendê-la numa redoma de paixão e encanto
e esgarça-la até vê-la caída, 
sem forças, vencida.

Desejo a morte?
Ah, sim...
ao seu lado
depois da entrega, ao fim do gozo.




Poesias - Pedro Paulo, setembro de 2012.

Imagem: efemeridade

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

FANTASMAS

A vida passou por aqui...
Os sonhos ficaram por aqui,
nas rodas sobre os trilhos
no telhado carcomido
nas paredes escuras....
nas serras e montanhas.

Os sonhos não se vão nunca.
Sonhos fazem curvas,
desbravam o desconhecido.

A vida deixou aqui o que é:
alegrias e tristezas.

(Os fantasmas nunca se vão)

E agora, para onde foram os que renasceram
deixando os fantasmas?
Se perderam - em um mundo novo -
sem saber, sem perceber
quem vem, quem passa,
quem nasce, quem perece...
tantos são.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Imagem: Jorge A. Ferreira Junior - memória ferroviária

domingo, 12 de janeiro de 2014

DO OUTRO LADO DO MURO


Por trás do muro,
viscejam vidas...
De cá do muro,
cresce a hera.

Todos os dias eu vejo o muro
guardando a luz,
fechando vidas...

Muro de pedras
escondendo desejos...
emaranhado perdido
de sonho e medo.

O muro coberto de hera
tem vozes
conta histórias (segredos).

Tateio o muro,
sinto teu coração
espalhando sangue
no emaranhado de verde.

Escuto, teu lamento - tormento -
Ruirás um dia
e voltarás ao princípio
junto comigo.


Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Imagem: flip

sábado, 11 de janeiro de 2014

CONDENADO A RENASCER




Por que choras,
por quem choras,
solitário caminhante,
infeliz errante?

Não há mais sombra
no teu caminho
para o teu corpo
que padece
e envelhece...

Mas, podes ver
a vida renascer
do teu ser...
se querer.

Então, por que choras
se condenado já nascestes
a perecer?

E reviverás das cinzas
noutras vidas,
em outras vidas.
-Esta é a tua condenação.


Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Imagem: soliarte.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

MEUS SONHOS... MINHA VIDA - NÃO É UM POEMA. É UMA CONSTATAÇÃO DA CONDIÇÃO HUMANA, DO ÚNICO SENTIDO VERDADEIRO DA VIDA . UM PRESENTE QUE LHES DOU.




MEUS SONHOS... MINHA VIDA.

Só preciso, ao final da caminhada, ter nas mãos meus sonhos,
venturosos sonhos que sonhei por toda a minha vida!
De que mais eu vivi ou segurei com tanto ardor que não meus sonhos?
Ora, meus sonhos foram a razão única da minha vida.
Dos meus sonhos nasceram meus filhos e deles vieram meus netos.
Dos meus sonhos viveram meus pais - sonharam comigo.
Por alguns instantes, meus irmãos sonharam sonhos que eram meus
e comigo alguns poucos amigos sonharam meus sonhos.
Alguns outros tentaram roubar meus sonhos e não conseguiram.
Meus sonhos só a mim pertenciam.

Meus sonhos a ninguém mais servirão;
meus sonhos fizeram-me forte e às vezes, idiota;
fizeram-me viajar para lugares distantes,
sempre querendo mais, buscando mais, encontrando o novo.

Dos meus sonhos a vida se reproduziu,
recompôs-se das cinzas das guerras;
dos meus sonhos a vida se ergueu
no embate contra a miséria e a dor.

Foram assim meus sonhos:
Não foram tantos, nem foram miúdos;
foram sonhos como sonha todo mundo;
sonhos iguaizinhos aos do menino
que tomba esfomeado ou assassinado;
meus sonhos se igualaram aos do soldado
que não compreendeu por que lutou,
Mas, pelejou e morreu.

Sonhei demais? Ah... Talvez.
Mas sonhei e isso é o que importa.
Continuarei sonhando até que meus olhos se fechem.
Aí, sim. Serei apenas essência e meus sonhos irão embora comigo.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Imagem: Cássia Oliveira.

domingo, 5 de janeiro de 2014

MEMÓRIAS IV (FRAGMENTOS DO LIVRO "JANELAS QUEBRADAS")




lembro-me de quando ela chegou à nossa casa, trazendo nos modos o viço da juventude. Ao entrar, senti seu cheiro de fêmea se espalhando e entranhando nas paredes como fuligem. Sentou-se na sala, olhou os quadros na parede com a curiosidade típica da educadora. Minha mãe sentou-se à sua frente e as duas belas mulheres se olharam. Estavam alí, frente a frente duas vidas, duas lutas, dois amores, duas paixões e cada uma a seu modo.

Ela me viu meio escondido atrás do portal, com apenas um olho espreitando-a. O outro olho estava apertado, escondido na madeira pela timidez. Ela sorriu, mangando da minha infância e minha olhou na minha direção:
--- Saia daí, menino!

Eu fugi, pego com a mão na botija, espreitando, tomado pelos primeiros anseios da puberdade. Sai correndo, trôpego, embrenhei-me nos corredores e fui estar no meu quarto. tranquei a porta, subi na cama e fiquei olhando, através da janela, as mangas maduras e a passarada disputando-as num voraz banquete. As mangas em forma de coração, lisas, macias, doces.

O sorriso e o olhar feminino ficaram impregnados em minha retina. Eu sabia que a partir daquele dia, nossa casa nunca mais seria a mesma. Muitas coisas mudariam, umas para o bem e outras, para o mal.

Na cidade, as disputas continuavam, se acirravam, parecendo nunca terminar. Naquele mesmo dia, os Noronhas seguiram em silêncio carregando o caixão do filho caçula. Jogaram o caxão coberto de rendas brancas num buraco de sete palmos e jogaram terra marrom sobre ele. Os machos ficaram só olhando, enquanto as fêmeas gritavam aos céus pedindo por vingança.Tempos difícieis aqueles, como difícil sempre foi a vida, pois que nada nos é dado de graça.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Imagem: .forwallpaper.com

sábado, 4 de janeiro de 2014

CONDENADO À MORTE ( UM POEMA... OU, QUEM SABE, UMA CONFISSÃO)


EMBORA SERES INCAPAZES TEIMEM EM INVADIR MINHA PRIVACIDADE, SEGUEM MEUS POEMAS E A MINHA PRIVACIDADE QUE JÁ ESTÁ IMPRESSA NELES.


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CONDENADO À MORTE


Teu corpo me tenta...
me atormenta
desnudo na luz,
cheio de curvas,
desenho único,
deleite perene.

Que fazes comigo mulher
quando te despes
lentamente e vejo teus seios
arrebitados mirando minha boca?
Tuas maõs... então? (dedos longos)
Fazem carícias no colo
e nas nádegas arrepiadas.

Meu ímpeto é a morte...
Morro todos os dias
à tua procura
no teu encontro,
nos teus braços,
no teu corpo...
E tu, és a vida,
geras a vida
em cada uma das minhas mortes.

Vem a luz, entre tuas coxas
mirando tua púbis enxarcada
esperando para engolir-me
(estou entregue)...
Tu, abelha rainha
a espera do zangão - poderoso...
Vou para a morte,
mais uma vez
e morro quantas vezes for preciso.

Texto de Pedo Paulo de Oliveira

Imagem: bokelberg

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

MEMÓRIAS III (FRAGMENTOS DO LIVRO “JANELAS QUEBRADAS”)




Ele era assim: tinha um jeito especial de falar, de contemplar as pessoas, de gesticular e de gostar da gente. Seus olhos, que brilhavam como os do menino que busca além da sua fronteira, nunca sossegavam, procurando o novo no horizonte, tentando aprender mais do que já sabia. No final da tarde nos reuníamos para ouvi-lo contar causos.

Suas mãos... Ah, suas mãos! Tantos desenhos nelas!... Riscos, rabiscos, marcas de todos os seus dias.

Escondido no seu âmago estava um mundo, consciente de que a sua vida não fora em vão: seus filhos se espalharam como sementes ao vento ou levadas pelos pássaros, germinando em outras terras, gerando novos frutos e novas sementes. Às vezes, vendo-o com os braços apoiados no parapeito da janela de madeira tosca, olhando a Serra dos Dois Irmãos, sabíamos que ele estava pensando nos filhos e netos distantes, desgarrados das suas mãos e do colo da sua amada Ester. Nesses instantes, seus olhos pequenos e verdes como os da nossa mãe, brilhavam e se misturavam com a claridade do dia.

No final da tarde, o cheiro de fermento vivo espalhava-se pela casa, exalado da massa sovada pelas suas mãos hábeis de padeiro. Antes que a aurora surgisse, no forno de tijolo em forma de meia lua, ele jogava as brasas, esperava o calor entranhar-se no barro e colocava a massa inchada durante a noite para assar. O Aroma de fermento, agora aquecido, acordava-nos juntamente com os primeiros raios da manhã. Na mesa, o pão, o café, o leite, a manteiga e o seu sorriso suave, inesquecível que se abria devagar e entrava pelas nossas almas de criança.



Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Imagem: Ponto 50