domingo, 23 de junho de 2013

OCASO SOBRE O TURVO


O fogo se abre e encerra o dia
Que daqui a instantes trará a noite
Depois da aurora boreal de ouro
Que cinge todos os olhos no entardecer

Teia imensa no horizonte
Relevo da terra antiga
Fim do dia na cidade pequena
Atrás dos montes de Minas

A brisa que chega trás o frio
Do inverno em chamas
Vem de longe o vento ventania
Que venta só aqui, no meu lugar

É quando as maritacas fazem revoadas
É quando os pardais se unem em algazarras
Os urubus fazem silhuetas no horizonte dourado
Num último voo em busca da luz

O rio que corta vales e montanhas
Brilha como prata entre bambuais
Conta as histórias dos meninos
E guarda os segredos dos homens

É o Rio Turvo da cidade que foi Turvo
É o Rio de onde nasceu um povo
É o Rio da cidade, agora, de André
De Manoel, de Barões, do Visconde... Rio que rebrilha o ocaso
Rio do Coronel, dos tenentes e dos capitães

Apetece que a luz vá embora
E adormece a passarada
As montanhas viram sombras
Pela noite enluarada

Vento frio que assobia
Na noite espalha as folhas
Não espalha meus desejos
Traz a mulher amada para aquecer-me

Na madrugada ouço os passos
De séculos de amores
Nesta terra de compassos
De Paixões sem pudores

Casarões, casarios, sobrados nas avenidas
Fantasmas passando ousados
Caminho eterno de tantas vidas
Variante de sonhos enjaulados.


Texto e fotos
Pedro Paulo de Oliveira
direitos Autorais











sexta-feira, 21 de junho de 2013

EXECRADO



Teus olhos são grilhões que me prendem
Tua pele tem gosto do mato
E Tuas mãos me pegam já entregue
Na prisão do teu corpo.

Sou teu dromedário no infinito de areia
Na solidão escaldante do sol do deserto
Tu chegas sem pedir licença e arrasta-me sem piedade
Para teu mundo, dona de dons, bruxa sensual.

O que me importa o teu castigo
Se no final é o gozo que tenho
Animal que sou
Domado por ti?

Sou escravo como todo homem é
sou menino peralta
Sou nada...
Sou servo do desejo da mulher.



Pedro Paulo de Oliveira.
Direitos autorais

terça-feira, 18 de junho de 2013

FILHOS DA GUERRA


EM TEMPOS DE PROTESTOS PELO MUNDO, UM PROTESTO CONTRA A GUERRA DA SÍRIA, UMA HOMENAGEM AOS ÓRFÃOS DA CRUELDADE DE UM GOVERNO DÉSPOTA E IMPIEDOSO

Ouço um silêncio profundo depois de tudo.
Foi como descer ao inferno, às profundezas da terra,
Sem luz, sem sombra, tateando o espaço, o vazio.
Mas, eu sabia que havia cinzas no gosto da pólvora,
No cheiro ocre e no meu corpo empastado.

Depois de tudo nada restou
Nem inseto, nenhum bicho sequer
Não restou nem ao menos o amor
Na escuridão dos olhos da mulher
Apenas o infinito desalento e a dor.

O gemido na noite, o desespero no brado insano
Ao ver a cria nascida, cria criada, cria perdida,
Acho que Deus se ausentou para a chegada do profano
Levando a esperança inocente e a própria vida.

Não há tempo, não há complacência
Só o desejo inócuo, a sede pelo poder
Na mão que segura a arma não há decência
E no corpo que tomba não há mais querer.

Agora, ouço os suspiros, os sussurros
Vêm de perto, dos órfãos, meninos perdidos
Escondem-se, esgueiram-se atrás dos muros,
Sentem fome, sentem frio, corpos desmilinguidos...

As meninas não estão lá, foram levadas
As meninas não são mais crianças
Olham para o alto, defloradas,
Buscando no infinito suas lembranças.

Continuo a ouvir os gemidos na escuridão
Vejo o desespero em cada olhar
Levanto-me, ergo o braço, mostro minha mão
Debalde, sou nada, perdido a caminhar.

Eles são Filhos da guerra, filhos da ânsia
Sobras das cinzas, do sangue derramado
Restos de nada, da ganância
Pedaços de vida, do sonho não sonhado.

Pedro Paulo de Oliveira
Direitos autorais.











segunda-feira, 17 de junho de 2013

SAUDADE ETÉREA



Um sopro passou pela minha face...
Procurei em vão uma presença,
Sentido dos meus sentidos,
Saudade de algo e de alguém.

Meus olhos, meus sentidos,
Meus desejos contidos,
Meus desejos vividos,
Minhas mãos que tateiam.

Onde foram parar meus sonhos
Que passam como vento por mim?
Não consigo mais pegá-los,
Debalde, sinto-os fugidios.

Desistir? Oh, não! Eles vêm e vão.
Sonhos são assim, etéreos,
Massa mole que se molda,
viajante que vai e vem.

O sopro voltou a assobiou,
Descobri que era a saudade,
De um sonho já feito,
De um sonho já sonhado.

Pedro Paulo de Oliveira.
Direitos Autorais

sábado, 8 de junho de 2013

PORQUE HOJE É SÁBADO - HÁ UMA MULHER QUE VIRA HOMEM


FOI UMA PEÇA TEATRAL, DIRIGIDA POR HOMERO ALMEIDA, NOS ANOS 90, BASEADA NO TEXTO HOMÔNIMO E ESPLÊNDIDO DE VINÍCIUS DE MORAES, NA OFICINA DE TEATRO PROMOVIDA PELO CENTRO CULTURAL ANDRELANDENSE - CECAN, QUANDO ENTÃO EU ERA DIRETOR E O PRESIDENTE ERA PAULO CÉSAR DE ALMEIDA. NA FOTO, EU E A CÁSSIA REPRESENTADO A METAMORFOSE HUMANA - ... HÁ UMA MULHER QUE VIRA HOMEM... PORQUE HOJE É SÁBADO... PARTICIPARAM TAMBÉM, O DIPA, A TEREZA NEUMA, A TÂNIA SALOMÃO, A KÉLCIA ANDRADE, A SÔNIA IRAÍDE, ENTRE OUTROS...

ABAIXO, BELÍSSIMO POEMA DE VINÍCIUS DE MORAES, NA SUA ÍNTEGRA:



DIA DA CRIAÇÃO

Vinicius de Moraes

I
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.
Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

II
Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado.
Há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado.
Há um homem rico que se mata
Porque hoje é sábado.
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado.
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado.
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado.
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado.
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado.
Há um grande espírito de porco
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado.
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado.
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado.
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado.
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado.
Há um tensão inusitada
Porque hoje é sábado.
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado.
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado.
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado.
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado.
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado.
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado.
Há damas de todas as classes

Porque hoje é sábado.
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado.
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado.
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado.
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado.
Há um frenesi de dar banana

Porque hoje é sábado.
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado.
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado.
Há a comemoração fantástica
Porque hoje é sábado.
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado.
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado.
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.

III
Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade, o homem não era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal dona do abismo, que queres como as plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez polos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia,
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, frequentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.

COMENTÁRIO DO REDATOR:

Vinícius de Moraes foi o poeta da transgressão. Sendo embaixador do Brasil, ao contrário de muitos outros diplomatas, preferiu a boemia, a música ao lado de grandes artistas como Toquinho e Tom Jobim. Venerou a beleza da mulher e exaltou a vida em forma de baladas e em poemas eternos. "O Dia da Criação" mostra a sua opinião com relação à existência humana e a maneira como ele encarava a questão da criação. É uma espécie de sátira e crítica sobre os costumes das sociedades.

Vinícius de Moraes foi, enfim, um gênio das palavras; um contorcionista extremo das trovas; um trovador rouco e abusado que apreciava engolir a fumaça do tabaco e o malte escocês rodeados pelos amigos e apreciando a beleza da mulher brasileira.

Pedro Paulo de Oliveira


terça-feira, 4 de junho de 2013

DESEJO E VIDA


O que posso, o que não posso,
O que quero, o que não quero...
Tem um espinho que me fere
O espinho de uma rosa que não colhi,
Fere minha mão, entranha-se na minha carne.
Dói, é dor sangrando da vida que vai
É a angústia da vida que segue
Quando se quer parar,
Da vida que não me pertence.

E o ter já não é mais ter
Quando o tudo falta
Quando o orgulho se vai
Diante da ausência da alma.

Onde estão as pétalas deste espinho que fere?
Onde foi parara o caule que fez brotar a rosa?
Onde está a terra que germinou a vida?
Para onde foi o sorriso inocente?

O que me resta senão ajoelhar?
Sim, ajoelho-em e suplico ao céu por amor
E sei que o amor se esvai nos meus passos cansados
O amor é apenas e deveras o momento
O amor é o nascimento

Quem sou eu?
Talvez o próprio espinho que trespassa minha mão,
O desejo reprimido e amordaçado de vida,
O suspiro do infinito.

Pedro Paulo de Oliveira.
Direitos Autorais.



segunda-feira, 3 de junho de 2013

SAUDADE.


Não busco ouro, quero o lusco-fusco,
Deitado em terra da minha terra
Onde a minha infância não morre nunca
lugar eterno de sonhos e antepassados.

Busco a beleza do seu semblante, de outros semblantes,
Razão da vida e dos desejos
Encontro-o emoldurado numa fonte
De olhos úmidos em lampejos.

Não. Não me digam uma só palavra...
O silêncio me basta na saudade, me comove
Que saudade não quer palavras,
Saudade é sentir sem tocar.

Olhe apenas o dia que esvai
Sinta o ardor da partida
Sinta minha presença na sua alma
E vá para o longe que não existe.

Sim... Não busco o ouro.
Apenas quero ter a saudade,
Sem me importar o quanto
Sem me importar de quem.

Quero sofrer um pouco, só um pouco,
Para lembrar-me o quanto fui feliz;
Quero olhar para o céu
E sentir que tudo valeu a pena.

Pedro Paulo de Oliveira.
Direitos Autorais

domingo, 2 de junho de 2013

MÃE, A ESSÊNCIA DE DEUS


Havia vida dentro dos teus olhos,
Um desejo interminável de seguir em frente,
De ultrapassar obstáculos,
De vencer limites.

Teu sorriso ainda vive na minha face,
Pois que sou feito dele,
Da tua essência imortal,
Sou fruto do teu amor pela vida.

Sei que moro numa casa feita por ti,
A casa dos teus sonhos,
Desejo incontido e reverberado,
Transformado em carinho sem fim.

Pois que a minha casa é o meu coração
Que tu moldastes em mim menino,
Minha casa não tem pedras,
Minha casa é unicamente o teu manto

Tuas mãos, lembro, eram afagos
Tua voz, ainda ouço, apenas melodia,
Teu caminhar, ainda vejo, uma dança,
Teus braços, ainda sinto, o meu recanto.

Diante da morte volverei meu olhar para ti
em busca de aconchego e do amor perdido,
Diante da morte pedirei tuas mãos
Para guiar-me até o lugar onde moras, minha amada mãe,
Pois só tu podes me levar para Deus.

Pedro Paulo de Oliveira
Direitos Autorais.

sábado, 1 de junho de 2013

MULHER, ENTRANHAS DA TERRA.


MULHER, ENTRANHAS DA TERRA.

No ócio da terra, apenas o lume
Na fenda aberta pela dor
Diante do olhar impune
Da ausência plena do amor

O olhar perdido e ausente
Da mãe órfã da piedade
Diante da tragédia presente
Fruto da humana maldade

Arrasta-se a fêmea esquecida
Em arauto tempestuoso
Suplicando pela morte perdida
No tempo calado, silencioso

Oh, mulher sem filho, dilacerada
Vai, segue seu destino de mãe e paixão
Abre teu corpo à terra arada
Dá de novo a vida presa no seu coração.

Pede, suplica e a vida está em suas mãos.

Pedro Paulo de Oliveira.
Direitos Autorais