sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O VALE DA VIDA




Olhai o vale. Ele está lá. Esteve sempre.

Lírios que brotam da água lodosa
na paisagem serena do vale,
onde a vida segue em frente
em um tempo eterno.

Sinto a terra, sinto o ar, a luz...
Nada está por vir,
tudo já foi cuidadosamente tramado,
desenhado, costurado, moldado.

Neste vale imenso o universo está
na água flutuante,
na luz ondulante,
nos seres errantes.

A luz se reflete na água coberta de lodo
esverdeado de vida,
e os seres se debatem
sem que os meus olhos os vejam...

O vale é o mundo
coberto de cores
para os meus olhos que olham,
para o meu corpo que sente
a vida presente.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Imagem: Blog trilhas e buscas

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

CORPO EM DECOMPOSIÇÃO.





Agora, te moves lentamente,
não podes mais te acanalhar,
perseguir, humilhar, roubar...

A solidão te apavoras,
o silências te devoras
como uma serpente
lentamente.

Roubar era teu lema:
roubastes a alma alheia
em cada parte da tua vida,
em cada casa que dissestes tua,
em cada pedaço de terra que possuístes.

Cheiras mal, o fedor da amônia,
o odor maldito dos dejetos.
Não podes mais gritar,
nem correr.... Correr?
Sim. Os passos te faltam. O tempo os roubou.

O tempo é a ave de rapina
sobre o resto da tua carcaça
que se arrasta para o túmulo
onde ficarão teus ossos.

Te pareces com os vermes,
que causam asco,
arrastando-te no meio do lodo.

Tuas mãos tateiam os restos,
não alcançam, suplicam... Em vão.

Só te restas migalhas, solidão.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira

Imagem: Noturno

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

LEMBRANÇAS DA ALCOVA




Por que te fostes e tantas eram,
deixando cálidas lembranças,
imagens que não se apagam,
insônia e delírios?

Suas sombras me olham,
caminham ao meu lado,
flutuando sem asas...
sombras de imagens cândidas,
de curvas vadias,
de bocas em fogo
queimando meu corpo.

Não quero a sombra,
que sombras assombram,
é pura solidão,
certeza das partidas,
no vazio das minhas mãos,
no transcurso do meu tempo
que se arrasta em procuras
por becos e bordéis,
em bocas e pernas abertas...

São vidas partidas, perdidas
em gozos e nojos,
em gritos e silêncios,
longes do perdão.

No final, ilusão...


Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Imagem: Adamastor

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A ÚLTIMA PÁGINA.




Vejo-te no silêncio dos meus sonhos,
não quero acordar do meio dessa bruma
de onde, envolta em mistérios,
o mistério da vida,
tu voltas teimosamente, intensamente,
sempre como da primeira vez
Olhando-me encantada,
encantando-me.
Seguravas um livro, fingias-ler,
decodificavas meu corpo...
Seduzias-me, enlaçavas-me,
enredavas-me na tua teia
iniciando a minha morte,
lenta, consciente, venturosa...
Morte em fogo, fim ditoso de todo ser apaixonado.

Agora, apenas sonho, pois que, um dia,
ao ver-te abrolho reverberando o sol,
eu nasci, eu vivi...
Despertar para que, se o sonho me consola?
Não era eu o que padecia o instante fútil
E tu, parecendo desatenta, me olhastes?
Teu parecer nada mais era do que pura sedução!
Meu despertar - meu nascer - foi naquele instante
e tu fizestes meu parto...
Fui parido pelo teu olhar.

Mantenho meus olhos cerrados,
meu corpo adormecido
para ver-te sempre,
repetindo o mesmo gesto,
acariciando meu rosto,
tocando meus lábios
sobre a espuma macia,
na alcova, sorrindo,
rindo do meu tremer.
Lembro-me e relembro:
entrei dentro do teu corpo
Com a fúria de um titã
e tuas pernas roliças, retesadas,
fecharam-se em mim.
Teu gemido vazou a vidraça,
Por onde a lua chegava,
Ínvida e redonda.

Dançarinos?... Sim.
Dançamos para o mundo
num palco colorido,
de mãos dadas,
mariposas deslumbradas,
depois da torrente,
ofuscados pela luz,
em meio à floresta,
a madeira úmida,
a vida brotando da terra
passado o vendaval.

Um dia, sorrindo ainda, te fostes:
insinuavas, não percebi.
Lias o livro no último capítulo.
Dissestes-me, naquela partida,
Que nunca me deixarias,
Impregnada que estavas em mim...
Súbito, senti uma dor, um vazio.
Mentias.
Desaparecestes na multidão,
voastes para longe...
olhei para o céu,
senti que o ser nascido esmorecia
em tênue morte
e tu vivias em meus sonhos,
Num crescendo sutil e perene,
Resto de paixão,
que para isto serve a paixão:
para matar e sonhar.
Tormento?
Não... Apenas o momento estático
na alcova, entrelaçados,
em êxtase.


Texto e imagem de Pedro Paulo de Oliveira.

Todos os direitos reservados.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

SONHOS DE MENINO




Quero a neve a congelar meu tempo
os flocos descendo, dançando em noites,
bailarinas flutuando...
A paisagem estática da água congelada
simbiose da vida diante dos meus olhos...

Meus olhos, meu sentido, olhando através do vidro
mundo adormecido, entumescido, gelado
buscando imagens no branco do gelo
do outro lado do morro
atras do muro
onde mora o menino
que não morre de jeito nenhum...

Vem inverno
vem nevasca
cobre tudo
guarda os sonhos
do menino atrás da vidraça.

Sonhos são assim
iguaizinhos
os meus guardo-os debaixo da neve
branca neve, congelados para não morrerem.

Texto: Pedro Paulo de Oliveira.

Imagem: kibong.com.br

O SINO




Ouço o sino
lânguido badalar
de horas e demoras
do tempo de contrição
daquela gente piedosa.

O sino anuncia a missa
chama para o enterro
repica para a festa...

As ruas e ladeiras
ecoam o sino
a gente sem pressa
subindo pelas pedras
de tantas pegadas
alisadas pelos séculos.

Sino bate... vem
rezar
sino bate... tem
missa
o sino rebate... para quem?
para o padre paramentado.

O sino silenciou
guardado em pedrarias
a gente rezou
junto, em romaria.

A cidade no morro
guarda pedras
e musgos
O sino guarda
os segredos
e anuncia:
"Deus não dorme,
não dorme, não dorme, não dorme...
Deus é para os vivos".

Texto de Pedro Paulo de Oliveira.
Direitos reservados

Imagem: LUZDEGAIA

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

PENÚLTIMA PALAVRA





O Espaço?
– A vida
Ida
Sem traço.

O amor?
– Seu preço:
Desprezo
E dor.

O sonho?
– Infindo,
É lindo
(Suponho).

Que vou
Fazer
Do ser
Que sou?

Isto,
Aquilo,
Aqui,
Ali.

LAFORGUE, Jules( 1860 - 1887), In: ABC da literatura/ Ezra Pound. Org. e apresentação da ed. brasileira por Augusto de Campos; tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes. São Paulo, CUTRIX, 2006. p. 218.

Leia mais poemas de Jules Laforgue aqui: http://www.erratica.com.br/opus/100/


Texto publicado por Carmem Silvia Presotto na página do Facebook Vidráguas